Gostar de quem não está lá (mas deixa a luz do corredor acesa)
Há um talento especial, quase artístico em gostar de quem não está verdadeiramente disponível. Não disponível como quem está de férias, mas disponível como quem tem a porta fechada por dentro, com a chave bem escondida no fundo de um bolso qualquer.
Gostar de quem vive em modo encolhe-ombros é quase um desporto radical. Há uma adrenalina peculiar em lidar com alguém que diz "és especial" enquanto desaparece lentamente pela tangente. E nós, claro, ficamos. Sempre com aquela esperança romântica de que talvez, só talvez, a pessoa acorde um dia e diga: “Pronto, já podes gostar de mim à vontade.”
Spoiler: isso raramente acontece.
O emocionalmente indisponível tem uma arte refinada de estar sem estar. Aparece, deixa migalhas de atenção, desaparece. Manda uma mensagem ambígua a uma terça-feira qualquer, só para garantir que ainda estás por perto, à espera. Tu respondes com esperança disfarçada de leveza: “ahahahah” E lá vamos nós outra vez, para o carrossel.
E o mais fascinante? Sabemos perfeitamente no que nos estamos a meter. Reconhecemos os sinais todos: a inconsistência, as desculpas vagas, o clássico “não sei o que quero”. Mas o coração, teimoso e crédulo, continua ali. Fica à espera, insiste, tenta ver profundidade onde há só nevoeiro.
Não é gostar, é quase arqueologia emocional, escavar restos de carinho em terrenos áridos, na esperança de encontrar uma relíquia de afeto verdadeiro. E mesmo quando encontramos um gesto mais próximo, uma frase quase carinhosa, temos de a analisar como se fosse um hieróglifo emocional: “O que é que quis dizer com isto?” (Provavelmente nada. Mas nós damos-lhe sempre um Nobel da emoção).
A questão não é só gostar de alguém que não sabe gostar de nós. É também confrontar o espelho que isso nos oferece. Porque, no fundo, talvez também tenhamos medo. Medo de sermos vistos, aceites, expostos. Porque quando alguém realmente nos gosta, sem jogos nem desaparecimentos estratégicos… isso assusta. É real. É sério. E às vezes, convenhamos, nós também fugimos disso.
Gostar de quem não está lá é como dançar com uma sombra: há movimento, há ilusão, há beleza. Mas falta corpo. E calor. E o mínimo de reciprocidade. E no fim, estamos nós, no meio da pista, a tentar perceber se foi dança… ou só eco.
Mas pronto, ninguém disse que o coração tinha juízo. E a verdade é que, entre gostar bem e gostar mal, às vezes escolhemos o caos. Só para ver se desta vez é diferente. (Não é.)
C.P