Culpa, gritos e Parentalidade Positiva: O combo imbatível

A culpa parece vir incluída, sem aviso, no manual não escrito da parentalidade. É aquela sensação constante de que estamos a falhar e, mesmo quando conseguimos fazer alguma coisa bem, surge sempre a dúvida: “E se pudesse ter feito melhor?”

Ela aparece cedo, antes mesmo do bebé nascer: “Estarei a comer bem?”, “Devo parar com o sushi, o café, o ovo mal passado?”, “Estou muito stressada?"“.
Depois do nascimento, a culpa só cresce. Se amamentamos mas não gostamos, sentimos que algo está errado connosco. Se não conseguimos amamentar, pensamos que “não nascemos para isto”. Se damos biberão, somos julgadas. Se o bebé dorme connosco, ou se dorme no berço. Se damos chupeta, se não damos. Se ligamos a televisão, se evitamos os ecrãs. A culpa está em todo o lado.

E normalmente aparece nos momentos em que estamos mais vulneráveis: exaustas, sobrecarregadas, a tentar apenas fazer o melhor que conseguimos naquele instante.

Depois chega a parentalidade positiva.

À partida, o conceito é maravilhoso: educar com empatia, com presença, com amor. Sem gritos, sem castigos, sem palmadas. Tudo certo. Eu também acredito que o respeito e o afeto são fundamentais na educação.

Mas, muitas vezes, essa parentalidade positiva transforma-se num manual rígido. Deixa de ser uma orientação e passa a ser uma obrigação. Começamos a viver com medo de errar. Medo de gritar, de perder a paciência, de não dizer a coisa certa no momento certo. Porque se gritarmos, se nos faltar a calma, se não soubermos aplicar a técnica... então estamos a falhar. E a nossa falha pode, acreditamos, deixar marcas irreversíveis.

É aqui que a parentalidade positiva me começa a incomodar. Porque se transforma numa prisão de perfeição.
A ideia de que temos de estar sempre calmos, sempre racionais, sempre disponíveis, sem espaço para cansaço, exaustão ou frustração.
E quando estamos em público e uma birra acontece, sentimos todos os olhos virados para nós.
Sabemos o que "deveríamos" fazer : baixar ao nível da criança, falar com empatia, perguntar se precisa de um abraço.
Mas, por dentro, só queremos abraçar o nosso filho, respirar fundo e dizer: “Chega por hoje!”.

Este peso de perfeição começa a esmagar-nos. Começamos a duvidar de nós mesmas. Onde está a nossa margem para errar, aprender, crescer com os nossos filhos?

Porque, sim, a parentalidade positiva tem imenso valor — mas não pode ser um dogma. Não pode ser mais uma razão para sentirmos culpa.
Temos limites, dias maus e também temos gritos. Não por falta de amor, mas por sermos feitas de carne.

O que os nossos filhos precisam não é de pais perfeitos. Precisam de pais que tentam. Que reconhecem os erros, que aprendem, que voltam a tentar com mais consciência. Pais que se esforçam por ser melhores, mesmo quando nem sempre conseguem.

Costumo dizer: enquanto eu continuar a querer ser uma mãe melhor para o meu filho, ele está em boas mãos.

No fim, é isso que importa.

C.P.

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