Do caos ao colo
Diziam-me que ia ter saudades de estar grávida.
Não tenho. Não sinto. Não me falta a barriga, nem os pontapés, nem as ecografias, nem o brilho na pele que dizem que aparece , eu nunca o vi.
Se gostei de estar grávida, foi ali entre os cinco e os sete meses. Talvez.
Depois disso, foi um arrastar de dias, um corpo que já não era meu e uma cabeça que já não reconhecia. Foi um luto silencioso pela mulher que fui. Foi preparar-me — ou tentar — para uma vida que não conseguia imaginar. E foi cair, sem chão, num turbilhão de emoções e dores, logo ali, nas primeiras horas do pós-parto.
Em apenas 1h30 tudo mudou.
Como se me tivessem arrancado o tapete debaixo dos pés.
Outro corpo. Uma cicatriz. Uma dor funda e aguda.
Hormonas aos saltos. Zero horas de sono. Raciocínio embaciado.
E um bebé cá fora, a precisar de mim como se eu soubesse o que estava a fazer.
As pessoas romantizam. Mas há pouco espaço para a verdade.
Para o lado escuro. Para o que não se diz em voz alta.
A verdade é que aquele primeiro mês é duro. É um campo de batalha emocional.
Chegar a casa com um recém-nascido nos braços, sem saber por onde começar.
As dúvidas que gritam na cabeça. Os medos. O choro dele. O meu.
A sensação constante de incapacidade.
O querer que o tempo passe rápido, que alguém nos devolva a vida de antes.
É uma solidão que nem sempre se diz.
Uma adaptação que parece não ter fim.
Dias que se arrastam. Noites que se confundem.
E as visitas… os palpites… o “tens de aproveitar”... É obrigatório aproveitar o dar de mamar, o recém nascido, a falta de sono e as fraldas que nós próprias usamos durante uma ou duas semanas.
Como se esta “infelicidade” momentânea, que nos consome, que nos devora, fosse uma coisa menor.
Como se todas as outras mulheres não tivessem sentido o mesmo, mas agora só se lembrassem do cheiro do bebé. Que realmente, é ótimo!
Não quero esquecer.
Não quero apagar esse lado negro da maternidade, porque ele também faz parte.
Quero lembrar-me de quem fui, da luta que foi. Da dúvida, da raiva, da exaustão.
Quero lembrar-me de que “sobrevivi”.
Mesmo sem saber quem era. Mesmo sem saber que mãe seria. Mesmo sem saber que relação teria com o pai do meu filho. Ou com o cão. Ou comigo mesma.
E depois… o tempo passa.
Não há um momento exato em que tudo muda, mas muda.
O enorme amor começa a aparecer, de mansinho. Os sorrisos surgem, inesperados.
As rotinas ajudam a respirar. A vida começa a ganhar cor outra vez.
E damos por nós já não a desejar voltar à vida de antes, porque agora esta é a nossa vida.
E já somos outras.
Mais fortes.
Mais resilientes.
Capazes de tudo.
Capazes de tanto.
Ter um filho é especial.
É mesmo o coração fora do corpo.
É uma superação diária.
É o maior cliché do mundo: é nascer de novo.
É ser obrigada a parar. A repensar tudo.
É colocar as prioridades noutro lugar.
É deixar cair o que já não interessa. Estabelecer limites.
É começar do zero, com outra versão de nós.
Mas o processo é violento.
É uma merda.
É cru. É duro. É necessário.
E eu não me quero esquecer.
Porque lembrar é também dar voz a todas as mães que se sentem sós, que se sentem menos, que acham que estão a falhar.
É dizer: eu sei. Eu estive aí. E passou.
Ter um filho é transformar uma mulher em super mulher.
C.P.